terça-feira, 13 de abril de 2010

Inspiração

Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas
E buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas.
Algumas tinham manchas azuladas
E o dorso reluzia igual à noite
E as manhãs morriam
Debaixo de suas patas encarnadas.


Vi-as sorvendo as uvas que pendiam
E os beiços eram negros e orvalhados.
Uníssonas, resfolegavam.


Vi as éguas da noite entre os escombros
Da paisagem que fui. Vi sombras, elfos e ciladas.
Laços de pedra e palha entre as alfombras
E vasto, um poço engolindo meu nome e meu retrato.


Vi-as tumultuadas. Intensas.
E numa delas, insone, me vi.


(Hilda Hilst)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Epígrafe

"alguns há que estão divididos entre Deus e o Demónio, Como sabê-lo, Se a lei não tivesse feito calar as mulheres para todo o sempre, talvez elas, porque inventaram aquele primeiro pecado de que todos os mais nasceram, soubessem dizer-nos o que nos falta saber, Quê, Que partes divina e demoníaca as compõem, que espécie de humanidade transportam dentro de si, Não te compreendo, pareceu-me que estavas falando do meu filho, Não falava do teu filho, falava das mulheres e de como geram os seres que somos, se não será por vontade delas, se é que o sabem, que cada um de nós é este pouco e este muito, esta bondade e esta maldade, esta paz e esta guerra, revolta e mansidão."

(SARAMAGO, José. O evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.50 - diálogo entre José e o velho Simeão)